09 de dezembro de 2024
Acordei nessa segunda-feira depois de uma noite desconfortável de sono. Noite agitada, um calor chato de quase verão. Ignorei a sensação de gastura estranha que queria aparecer na minha manhã e fui seguir meus rituais.
Comecei pela televisão, carinho no gatinho, um beijo de até logo em Daniel que sai pra trabalhar todo dia cedo no mesmo horário e fui fazer meu café da manhã. Estranhamente, não senti a fome habitual que todos os dias sinto às 7h, antes de fazer minha refeição preferida. Mas, fiz mesmo assim, afinal 8h é hora de ir pra academia, antes de começar a trabalhar às 9h.
7h30 terminei de comer, continuei na TV e perdi o horário de ir malhar. Preferi começar meu trabalho home office mais cedo, adiantar algumas coisas e no fim da manhã resolvi ir no mercado comprar alface, queria almoçar salada hoje, já que ontem jantei hambúrguer e minhas folhas tinham acabado na geladeira. Precisava colocar gasolina, mas como ainda tinha meio tanque e estava perto da hora do almoço, resolvi adiantar e fui do mercado direto para a academia.
Era quase 12h30. Quando finalizei meu treino um pouco depois, voltei pro carro, mentalizando a salada que iria montar chegando em casa. Estranhamente, ainda sem fome no dia de hoje. Quando entrei no carro, tive a ingrata surpresa de um risco em formato de onda no vidro do meu pára-brisa. Putz! Agora não ia ter jeito, ia ter que trocar mesmo. Era um pequeno risco antes, já reparado, mas com esse calor de 35 graus, certeza que dilatou tudo ali e piorou o negócio.
Cheguei em casa e liguei logo pro seguro, acionei minha franquia e fiquei esperando marcarem o dia da troca do meu vidro. Poderia ser pior! Pensei comigo mesma. Poderia ter trincado, amassado, tapado minha visão. Mas, era só uma linha como uma onda no mar. Dos males, o menor. E jajá vou estar de vidro novo. Mas, poxa, a grana... bendito dinheiro que vai embora. Em pleno fim de ano! Depois de renovar o seguro caríssimo do carro de vez pra evitar virar o ano com parcelas no cartão, depois de trocar de celular essa semana sem necessidade, mais um gasto. Mas faz parte, pensei comigo. Podia ser pior.
Quase duas da tarde, fui montar minha salada. Alface, manjericão, iscas de carne, tomates-uva, queijo coalho, páprica defumada, sal, lemon pepper e azeite extra virgem. Vixe! Esqueci do ovo cozido. Coloquei o ovo pra cozinhar, 15 minutos era o tempo que ele ficava bom e eu aproveitava e lavava meu cabelo. Viajei no banho. Voltei pra cozinha, montei meu prato, lindo, colorido, uma delícia! Curiosamente, comi sem fome, mas foi o auge do meu dia.
Daniel chegou, me colocou a par do dia dele, eu do meu. Ele foi tirar um cochilo. Eu fui secar o cabelo e esperar a hora da terapia online. Hoje, estranhamente, era um dia que eu estava com pouca pauta para tratar na terapia. Interessante, pensei, isso nunca acontece. Minha psicóloga atrasou alguns minutos, mandei mensagem. Ela teve um imprevisto, precisou remarcar. Voltei para o trabalho.
Início de noite, fui fazer o café da noite habitual que eu e Daniel amamos, só que eu continuava sem fome. Muito estranho, principalmente por ter almoçado uma salada, era para estar roxa de fome. Não estava. Quando estava finalizando as tapiocas, Daniel me grita da sala, dizendo que minha mãe me ligava e falou com ele para eu retornar a ligação, algo tinha acontecido. Desliguei o fogo e retornei a ligação de vídeo. Minha mãe me jogava uma bomba inesperada às 18h45 de uma segunda-feira.
Seu primo Elton faleceu, filha. Acidente de moto, indo para o trabalho, em Itaberaba, ela disse. Gritei dois nãos. Caí no chão, chorei descontroladamente. Daniel pegou o celular novo da minha mão, continuou a conversa com minha mãe, eu fiquei desnorteada rodando pelo meu closet/escritório de dez metros quadrados me abaixando e levantando. Não podia ser verdade.
Meu primo de 39 anos, muito bonito, altivo, talentoso, transgressor. Nunca fomos próximos, nunca te disse o quanto te admirava. Mas, lembro com carinho das nossas últimas interações nos últimos anos nos eventos da família. E te assistia de longe, nas redes sociais. Meu primo inteligentíssimo, professor, escritor, músico, cordelista, cada vez que aparecia na Globo dava aquele orgulho pros Magalhães. Meu primo do axé, da leveza, da crença forte, do samba, das palavras. Assim como a mim, as palavras também te norteavam, te guiavam.
Rapaz do espírito livre, menino escorpiano, homem da ilha e garoto da caatinga. Ele era vários, muitos e tantos. Escrevo pra você agora, horas depois da sua partida, como uma forma de homenagem. Para todos nós da família, sua passagem precoce é uma tragédia. Mas, pra você, tenho certeza que é só uma virada de chave, uma mudança de plano, outro sopro de uma nova existência. Foi embora daqui na garupa de sua moto, vivendo a vida que sempre lutou pra construir.
Meu primo, faça uma boa viagem. Que tudo o que você acredita, te abrace. Que você encontre nossa avó, porque você merece esse presente. Lembro da sua foto criança loirinho, sorridente, de camisa azul na bancada da casa dela até hoje. Memórias doces.
Eu rezei, conversei com meu pai que te tinha em alta conta como sobrinho. Olhei pro céu, mentalizei proteção. Senti uma agonia horrorosa. Pensei em seus pais, em sua irmã. Chorei mais. E aí eu fui tomada pela realidade. A vida é exatamente o que acontece enquanto fazemos planos. Senti uma paz desconcertante. A fome que eu não senti o dia todo fez sentido agora. Era minha forma de sentir e doar um pouco da minha energia pra você, que sempre teve muita fome de viver.
Essa semana vou consertar o vidro do meu carro. Vou pra academia quase todos os dias. Vou trabalhar. Farei meus cafés da manhã com fome e vou comer satisfeita. Vou falar bastante na terapia. Se assim for pra ser. Saravá, meu primo. Para sempre falaremos e lembraremos de você. Sua família, seus alunos, seus amores, seus amigos. Vida louca, vida breve, vida linda você teve. Foi cedo demais pro nosso tempo, mas para o seu foi o tempo certo, foi para sempre ser: você.
Durma bem, acorde melhor ainda.
Um beijo carinhoso da sua "prima melhor blogueira de Salvador",
Alissa.
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