Folhas secas

março 20, 2018

Entrei no quarto depois de um dia inteiro - e exaustivo - de aulas na faculdade e tudo o que eu queria era minha cama. Depois de um banho que esperei o dia todo para acontecer, enfim deitei. 

A cabeça começou a girar. A cabeça aqui nunca descansa, não para de pensar.

Preciso estudar aqueles três textos dos dois livros de história de arte que estão na biblioteca. Acho que vou usar aquele batom vermelho escuro no aniversário da Daniela no sábado. Não posso esquecer de contar para minha mãe que Jen e Brad podem voltar! Ainda faltam dois dias de academia nessa semana para atingir minha meta fitness do mês. Me pergunto o que vai acontecer da próxima vez que eu ver o Rodrigo agora que ele voltou para São Paulo. E aí a gente para. Respira.

Para de novo. Tenta respirar e falta o ar. Ah. Rodrigo!

E aí a gente dorme. Dia novo.
Hoje é dia de sair com a Dani, que mencionei lá em cima que já vai fazer aniversário nesse outono. Dani sempre fez escolhas que eram diferentes das minhas, temos personalidades opostas, mas na hora de me ajudar com qualquer coisa (e de me fazer companhia), não há ninguém melhor que ela, nunca houve. Acho que as diferenças nos fazem bem iguais. Que louco, né? E ela sabia como ninguém como eu estava nervosa com essa volta do Rodrigo.

Não, Rodrigo não foi meu ex-namorado, nem um amor da minha vida, nem mesmo um peguete de ocasião. Rodrigo é apenas o único cara na vida que eu olhei e gostei sem nem conhecer. Quer mais louco que isso? Rodrigo nunca saiu da minha cabeça. Até mesmo quando ele mudou para Curitiba e passou meses por lá eu nunca parei de pensar nele. Não sei se torce pro Corinthians, se gosta do Djavan, se toma banho todo dia, não sei! Mas sei o que sinto. E sinto muito.

Eu tinha terminado um namoro de 3 anos quando vi o Rodrigo pela primeira vez, aqui mesmo na rua onde moro. Olhei naqueles olhos pretos que me olharam de volta e algo muito estranho aconteceu. Acelerou tudo aqui dentro. Tudo mesmo. E sempre era assim. A gente se via, até se adicionou nas redes sociais, mas nunca passou disso. 

Eu ainda não estava pronta, estava quase sem folhas, e as que ainda estavam por aqui já estavam caindo, tipo o outono mesmo, sabe? Quando a gente passa por uma ruptura, tipo o fim de um namoro, mesmo que esse namoro já não faça sentido, precisamos de um tempo para nos reconhecer, fortalecer,  respirar e aí sim poder dar a chance de algo novo e muito bom chegar. Eu ainda não estava lá. E eu também não faço ideia pelo o que o Rodrigo estava passando naquele momento.

O tempo passou. As folhas secaram e caíram, daí começaram a renascer, porque é essa a boniteza do outono. Deixar ir para deixar vir. Lindo.
Eu me sentindo ótima. Cheia de vontades. Ansiosa pelo novo. Fingindo tranquilidade e nenhuma ansiedade e eis que de repente vejo o Rodrigo na padaria comprando 8 pães, 1 litro de leite e uma pizza congelada. Gente como a gente. Meu Deus. O que fazer? 

Nada. Saí dali correndo sem ser notada.

Cheguei em casa, contei para Daniela tudo.

Ela só faltou me matar. 

- Você ficou maluca? disse ela.
- Não tive coragem. Paralisei. 
- Era a chance de conhecer esse cara que você tanto quer. Porque aí tem. Deixa de ser boba! 
ela concluiu.

O arrependimento bateu na hora. Na vida, se a gente quer a gente tem que fazer, né? Ou pelo menos tem que dar indícios de que quer fazer. Fiquei pra baixo. Mas resolvi acreditar na vida, quando é pra ser é, as coisas naturais são as melhores coisas. Resolvi confiar na força do destino. E desistir de fugir.

Alguns dias passaram, e eis que estou no shopping e vejo o menino mais gato da cidade - o Rodrigo, é claro - dar um toque nas minhas costas perguntando se a gente não se conhecia do Instagram. 
- Sim, lembro de você! (fiz a fingida)
- Ah legal, vi que você cursa História na faculdade, muito bom!
ele quebrou o gelo.

E aí, 2 outonos depois, estou eu aqui em Londres, andando pelo metrô na estação Notting Hill com o Rodrigo. O tempo tá quase muito frio, mas aqui dentro tá tudo muito quente. Quer mais louco que isso?

Londres, Novembro de 2017
*A crônica é um gênero textual que traz histórias sobre o cotidiano. Este texto é fictício, obra criativa e independente.

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